quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sobre a obra de Sílvia Motosi


A obra de Sílvia Motosi é uma presença importante na pintura gaúcha dos últimos vinte anos. Sua obra apresenta características fortemente pessoais que a destacam no grande grupo: originalidade temática, caráter decorativo e imaginário literário plasmados através de uma fatura pictórica densa e colorística com forte caráter gráfico. Uma obra feita discurso e forma - em regime de urgência, sem muito tempo para um acabamento detalhista.
Imaginário pessoal e com forte uso de ironia e/ou crítica caracteriza seus trabalhos e, com relação a sua inserção geracional, é importante assinalar que ela faz parte de um grupo de artistas que trabalhou com materiais pobres. Na pintura poderíamos falar de uma geração PVA/pó xadrez, além dos papelões e tecidos inadequadamente utilizados, esticados de qualquer maneira sobre chassis improvisados. Isso evidencia a fragilidade de uma época de indefinições ou incertezas, no qual o resultado é a quase absoluta despreocupação como estabelecimentos de limites e com a permanência das obras.
Entendo isto como uma reação: um novo humanismo dos anos 80, no qual a idolatria fetichista do dado científico e mecânico foram substituídos pela revalorização do homem por meio do produto mais alto e construtivo que este apresenta: a arte. Uma geração que despertou para o valor e para o sentido (implícitos e explícitos) da arte contra as generalidades, as classificações, a tipologia materialista, o esteticismo abstrato e o moralismo duro e intolerante.
Através do olhar desta artista contemporânea fazemos uma visita original ao domínio das paixões profanas e religiosas, inspirada por uma iconografia culta e organizada por um sistema construtivo arcaico (os polípticos) no qual as pulsões vitais se misturam a uma espécie de frenesi sensorial de símbolos, cores e formas. Um trecho de Roberto Calasso me ocorre agora que olho para estas pinturas. Diz ele que "As figuras do mito vivem muitas vidas e muitas mortes, diversamente das personagens de romances, sempre vinculadas a um só gesto. Mas em cada uma dessas vidas e dessas mortes participam todas as outras e elas ressoam." Juntemos ainda a epígrafe de Santa Teresa de Ávila, que retirei do portofólio da artista, e estamos com dois bons guias para entrar no universo plástico de Sílvia Motosi.


Paulo Gomes
Artísta plástico e curador independente. Doutor em Artes Visuais.



A dor era tão intensa que me fazia gemer, mesmo assim, tão extraordinária que era a doçura desta dor imensa, que eu não podia desejar livrar-me dela. (Santa Teresa de Ávila)

Um comentário:

  1. Silvia Motosi foi uma artista e pessoa intensa. É lamentável a falta que ela faz.

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